Liberar uso de prova ilícita seria criar inconstitucionalidade proporcional

O ministro Sepúlveda Pertence marcou a Suprema Corte brasileira com alto grau de ensinamentos constitucionais. Estes devem ser permanentes com o são as cláusulas pétreas.  A Constituição de 1988, fundante da democracia brasileira, projetou o que devemos vir a ser, de forma mais que programática. Estamos com forças travestidas da moralidade que pretendem desviar nosso rumo, criando excepcionalidades a fim de que à sombra da luz constitucional exista um “ponto cego” as garantias.

Essas sombras, esses porões da democracia constitucional seriam criados pela “proporcionalidade”. Em uma parte dessa teoria, os jovens procuradores e juízes nascidos muito depois do sangue, suor e lágrimas dos tempos que antecederam a Constituição decidiriam quando ela é aplicável e quando não.

Sob a mesma pretensão dos militares de que faziam uma contrarrevolução, pretendem aprovar uma lei que permita decidirem que para determinados casos a prova ilícita é admissível, pois sua utilização para punir a corrupção ou os crimes hediondos seria menos grave do que a própria violação da Constituição pelo Estado.

Sobre estes estão impensados revestidos pelo poder do Estado e pelas vozes da população, a exemplo de Jesus Cristo, que disse na cruz: “Perdoe-os Senhor, eles não sabem o que fazem”! Na Constituição de 1988, está inscrito no artigo 5°, LVI: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Embora a proposta inicial tenha sido revista, a nova redação ainda tenta aplicar uma ponderação não permitida pela Constituição.

O ministro Sepúlveda Pertence em 2001, no Habeas Corpus 80949, em que fui advogado impetrante, exercendo o múnus público da advocacia, já definia na ementa “Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: consequente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade — à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira — para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação”.

No corpo do voto compara a doutrina alemã: “a solução do problema da admissibilidade, ou não, da prova ilícita não arranca de norma constitucional específica mas, ao contrário, busca fundamento em princípios extremamente fluídos da Lei Fundamental, a exemplo daquele da dignidade da pessoa humana’.

“22 – Guarda da Constituição —  e não dos presídios — é dessa opção clara, inequívoca, eloquente, da Constituição — da fidelidade à qual advém a nossa própria legitimidade — é que há de partir o Supremo Tribunal Federal…’”

As tentativas do Ministério Público e de certos juízes de contemporizar a ilicitude da prova são diárias no cotidiano forense, com interpretações inconstitucionais da prova independente admitida pelo artigo 157 do Código de Processo Penal, inserido pela reforma da Lei 11.690/2008, que passou a contar com nova redação:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais (1-3).

Primeiro são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas (4), salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras (5), ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

Recentemente, após o Superior Tribunal de Justiça proferir a primeira decisão sobre o tema “Quebra da Cadeia de Custódia”, objeto de parecer do professor Geraldo Prado sobre a tese de que o desaparecimento parcial de gravações e e-mails obtidos pelo Estado sem acesso à defesa chega a afetar o amplo direito de defesa e de igual forma o devido processo, foi emitido novo ensinamento sobre a prova ilícita, o da “conexão de antijuridicidade da prova” pelo mesmo professor.

Nessa aula, ensina que há um movimento pendular que leva a ilicitude original àquela por derivação. “A questão, diga-se, não é somente de simples causalidade naturalística entre as interceptações declaradas ilícitas e as provas posteriores, muito embora não seja exagero reiterar que esta causalidade também exista”.

O professor destaca que “a mencionada interdependência não é algo controvertido no mercado das ideias jurídico-penais pelo menos desde 1939, por ocasião da decisão do caso Nardone vs US, decidido pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América.

Com efeito, as teorias causalistas da ilicitude probatória são conhecidas há décadas e se caracterizam por identificarem amplos nexos de antijuridicidade e irradiação de efeitos da ilicitude (contaminação) sempre que os elementos probatórios são obtidos mediante transgressão de direitos ou liberdades fundamentais ou derivam indiretamente daqueles elementos.”

Há excepcional acórdão citado no trabalho: “A proibição alcança tanto a prova em cuja obtenção se haja vulnerado um direito fundamental como aquelas outras que, havendo sido obtidas licitamente, se baseiam, apoiam ou derivam da anterior (direta ou indiretamente), pois somente desse modo se assegura que a prova ilícita inicial não surta efeito algum no processo.

Proibir o uso direto desses meios probatórios e tolerar seu aproveitamento indireto constituiriam uma proclamação vazia de conteúdo efetivo e até mesmo uma incitação à utilização de procedimentos inconstitucionais, que, indiretamente, surtiriam efeitos”. Tal acórdão foi extraído de outros dois, os de números 290/1999 (de 27 de fevereiro) e 1.380/1999 (de 6 de outubro), do Tribunal Supremo da Espanha.

Conclui-se que não existe constitucionalidade na aplicação da proporcionalidade para admissão da prova ilícita no Brasil. O Ministério Público é fiscal da lei e não pode se comportar como parte acusadora sem as responsabilidades que advêm da função pública que exerce.

Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.

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