Depois de Gilmar soltar amigo de Eike, criminalistas criticam ‘excesso de prisões’

Por Fernanda Yoneya e Luiz Vassallo
A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de cassar a prisão preventiva do ex-vice-presidente do Flamengo, Flávio Godinho – investigado na Operação Eficiência, desdobramento da Lava Jato no Rio, ao lado do ex-bilionário Eike Batista -, reacendeu o debate sobre medidas cautelares. No início de abril, ao mandar soltar Godinho, o ministro afirmou que a ordem de prisão não demonstrou que outras medidas cautelares seriam insuficientes para impedir que o investigado atrapalhasse as investigações, conforme alegou o Ministério Público Federal – Godinho foi capturado porque, entre outras suspeitas, teria se reunido com outros investigados para discutir estratégia de defesa.

Dias depois de mandar soltar Godinho, o ministro manteve na prisão o próprio Eike, este acusado de distribuir US$ 16,5 milhões em propinas para o ex-governador do Rio Sérgio Cabral.

Advogados criminalistas dizem que, em muitos casos, as medidas cautelares são suficientes e não há necessidade de decreto de prisão.

O criminalista Daniel Gerber, sócio do escritório Daniel Gerber Advocacia Penal, afirma que ‘Gilmar Mendes, com seu posicionamento, escancara o vício que passou a macular as medidas preventivas substitutivas da prisão, que cada vez mais são decretadas como autônomas e desvinculadas dos fundamentos da preventiva apenas porque, ao trazerem menor dano, geram conforto ao Judiciário’.

Conceição Aparecida Giori, criminalista e sócia do Oliveira Campos & Giori Advogados, lembra que o Código de Processo Penal ‘há muito tempo determina que a medida de segregação cautelar só pode ser aplicada se demonstrado que outras cautelas não têm eficácia’. “O que estarrece é o fato de o Supremo nem sempre seguir o que o Código de Processo Penal diz”, argumenta.

Conceição Giori enfatiza que se o Supremo enveredar por esse caminho, o direito de defesa não será apenas prejudicado, mas completamente anulado. “Imagine o investigado tornar-se novamente investigado porque foi assistido, juntamente com outro investigado, pelo mesmo advogado. Já teremos aí a proibição de um mesmo advogado assistir mais de um réu no mesmo processo, porque toda a orientação jurídica poderá ser interpretada como obstáculo à investigação”, explica.

Para o criminalista Fernando Augusto Fernandes, sócio do Fernando Fernandes Advogados Associados, o país está vivendo uma multiplicação das prisões ‘sem o devido processo’. “Quando a lei que estabelece as medidas alternativas às prisões do artigo 319 do Código de Processo Penal foi editada, já havia 40% de presos provisórios nas penitenciárias. Há uma resistência dos juízes em aplicar as medidas alternativas decretando prisões em massa. Ainda temos 35% de presos provisórios. Na verdade, os juízes desejam ampliar seus poderes. Por isso, simplesmente decretam prisões, hoje com objetivo de antecipação das penas sem processo, extorsão de depoimentos e satisfação de um sentimento de punibilidade contra a Constituição Federal”, sustenta.

Guilherme San Juan, criminalista e sócio da banca San Juan Advogados Associados, destaca que ‘a reunião entre advogados para traçar a melhor estratégia de defesa aos clientes não pode ser criminalizada, sob pena de em pouquíssimo tempo se criminalizar o exercício da advocacia’. Para ele, ‘está na hora de a Ordem dos Advogados colocar o rosto nessa discussão e representar seus membros de forma efetiva’.

“A posição em questão é tão teratológica quanto criminalizar a atuação do acusador que, ao final, não alcança a condenação do acusado. Me parece que já é chegado o tempo de limitarmos os exageros, sob pena de inviabilizarmos a atuação da acusação e da defesa”, conclui San Juan.

Segundo o advogado constitucionalista e criminalista Adib Abdouni, a prisão preventiva é medida ‘gravosa e excepcional’. Isso porque permite a segregação do acusado antes de uma condenação judicial transitada em julgado. “Assim, sua aplicação deve ficar limitada às hipóteses em que a análise dos fatos revele, no caso concreto – prova da materialidade e indícios de autoria do delito -, que outros mecanismos de preservação da investigação não se mostrem aptos a refrear potencial risco à ordem pública. Caso contrário, corre-se o risco de subverter o princípio da presunção da inocência, previsto no artigo 5.º, inciso LVII, da Constituição Federal, gerando inegável e injustificado sacrífico do direito de liberdade de locomoção do investigado.”

Texto publicado originalmente no O Estado de S. Paulo.

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