O Ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, despachou, na última semana, todos os pedidos da Procuradoria-Geral da República no âmbito da chamada “operação Lava Jato”, deferindo um sem número de pedidos de instauração de investigação contra políticos, sem apreciar a justa causa de nenhuma das medidas. Imediatamente sua assessoria atendeu e distribuiu para a imprensa os vídeos das “delações premiadas” dos executivos da Odebrecht que deram origem aos requerimentos do Ministério Público Federal.
Ocorre que muitos dos fatos relatados não são crimes e outros já estão prescritos. Mas, mesmo assim, não se impediu que a imagem das pessoas investigadas fosse vilipendiada, com a chancela de um ministro do Supremo. A decisão permitiu uma grave e inconsequente violação da imagem e da honra dos expostos, matéria que é de cunho constitucional pétreo. Fez-se algo que o ministro Herman Benjamim, do Tribunal Superior Eleitoral, chamou de “morte pela mídia” ao avaliar situação semelhante no uso das delações dos executivos da Odebrecht no julgamento, que ocorre simultaneamente na corte eleitoral, da cassação da chapa Dilma-Temer, de 2014.
Em 2015, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650, o STF julgou inconstitucional empresas financiarem campanhas políticas. Portanto, até 2015, pessoas jurídicas que fizeram doações eleitorais, assim como o eleitor, eram reconhecidos como partes legitimas do processo eleitoral.
Tanto quanto o eleitor, a pessoa jurídica tem demandas, interesses políticos e legislativos, e por eles trava suas relações políticas. O artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal prevê que “a propriedade atenderá a sua função social”. E o artigo 170 dita que a ordem econômica é “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, tendo entre os princípios a iniciativa privada.
Assim, é absolutamente normal, legal e constitucional que empresas atuem politicamente a fim de ver aprovados projetos legislativos, e visem ter ótima relação com os atores no mundo político, sejam do Executivo, do Legislativo ou do Judicial – este último deixado de fora das delações da Odebrecht.
É necessário separar atos de corrupção da relação política, com seus respectivos pedidos de doação para campanha em razão de apoio político e legislativo. Para que fatos sejam considerados corrupção, é necessário que haja um ato individual de ofício, assim como de poderes individuais de um servidor público.
Mas, entre os atos divulgados, há muitos que não estão vinculados a uma troca direta de um ato de ofício vinculado a um contrato ou a facilitação em licitações. As acusações ora tornadas públicas acabaram por atingir centenas de políticos pelo simples fato de terem recebido doação de campanha, seja pelos meios oficiais, seja por via de “caixa dois”.
Há pouco tempo, enquanto se debatia no Congresso Nacional uma possível anistia ao “caixa dois”, o procurador-geral da República se adiantou a dizer que que “caixa dois” não é crime, e que a real intenção dos legisladores seria anistiar corrupção e lavagem de dinheiro.
Ocorre que, nos pedidos de abertura de investigação, seja direta pelo STF, seja nos declínio de competência, os fatos relatados são exclusivamente de doação de campanha, fato que não constitui crime, mas que merecem melhor aprofundamento.
O pedido de doação para campanha feito por um político, para o si ou para outrem, seja durante a campanha ou posteriormente para cobrir dívidas de campanha, não constitui o tipo penal de corrupção passiva já que não é a vantagem indevida prevista no artigo 317 do Código Penal.
O pedido e o recebimento de doação de campanha oficialmente não constitui nenhum ilícito. Não há também qualquer ilícito no recebimento pelo “caixa dois”. Poder-se-ia, no limite, dizer que haveria a falsidade ideológica eleitoral prevista no artigo 350 do Código Eleitoral, do documento particular de prestação de contas de campanha, cuja pena é de 3 a 15 dias multa.
O pedido de um parlamentar para doação quando há pedido de apoio a projetos de lei não é crime se não se vende um voto. Os atos legislativos são colegiados e dependentes de votação em outra casa legislativa.
A sanção da norma é prerrogativa da Presidência da República. A ideia de que o apoio a um projeto de interesse de uma empresa ou do mercado representa traição ao eleitor não é correta, pois não há, na maioria das vezes, contraposição de interesses entre o cidadão e a empresa, repetindo-se que somente em 2015 as empresas não puderam mais doar em campanhas eleitorais. Mesmo assim, continuam tendo interesses legítimos a serem protegidos no Congresso.
Quanto aos membros do Executivo, é preciso separar os atos realizados em razão do ofício, a compra de favores e vantagem, e os pedidos de doações de campanha de empresas que tenham contrato com o Estado ou a União. Esse pedido não constitui corrupção se não estiver vinculado como exigência para que a empresa ganhe o contrato ou receba pelo serviço.
Fora das doações, por dentro ou não, outros atos, como o pedido de apoio a projetos ou a pessoas – escutou-se até mesmo ter sido aberta uma vaga de estágio – para um emprego, não constitui, de igual forma, corrupção.
Assim, a divulgação indiscriminada de vídeos e de acusações públicas feita nesta semana visam desacreditar toda a classe política, o que o Judiciário não pode permitir, sob pena de falhar com seus deveres. E não se diga que isso foi um ato do Supremo Tribunal Federal, pois foi um ato individual e monocrático, que deverá ser questionado, não se acreditando que seja agasalhado pelo Plenário da corte suprema do país.
Texto publicado originalmente no O Estado de S. Paulo.