′Perguntas de um inquisidor′, diz defesa de Lula para juiz Sérgio Moro

Por Alana Fonseca, Aline Pavaneli e Thais Kaniak

Fato ocorreu durante depoimento de Sérgio Gabrielli em ação da Lava Jato.
Processo envolve o caso do tríplex em Guarujá, no litoral de São Paulo.

O ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli foi ouvido como testemunha de defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na manhã desta segunda-feira (13), na ação penal da Lava Jato que envolve o caso do tríplex em Guarujá, no litoral de São Paulo. Durante o depoimento de Gabrielli, a defesa de Lula interrompeu um questionamento do juiz Sérgio Moro e disse que o magistrado fazia “perguntas de um inquisidor, e não as perguntas de um juiz”.

Além do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, outras seis pessoas também são rés na mesmo processo. A esposa de Lula, Marisa Letícia, que morreu em 3 de fevereiro, também era ré nesta ação penal. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), R$ 3,7 milhões foram pagos a Lula como propina a partir de três contratos com a OAS.

A audiência começou às 9h30 e foi realizada por videoconferência de Salvador (BA), com a Justiça Federal do Paraná, em Curitiba.

A discussão ocorreu quando Moro perguntou a Gabrielli qual foi o motivo da substituição de Nestor Cerveró por Jorge Zelada na diretoria internacional da Petrobras, em 2008 – os dois já foram condenados na Lava Jato.

O ex-presidente da estatal disse que foi uma decisão do Conselho Administrativo, a partir de uma solicitação de representantes do governo, mas que uma reestruturação da diretoria já estava sendo pensada pela companhia. Gabrielli afirmou ainda que, no conselho, não se discute a questão partidária e que ficou sabendo da indicação do PMDB por meio da imprensa.

O juiz perguntou, então, se Gabrielli não havia indagado sobre o motivo da mudança da diretoria. Neste momento, a defesa interrompeu o juiz e disse que há limites para as perguntas. Moro afirmou que estava fazendo as perguntas e não induzindo a testemunha. A defesa do ex-presidente, então, disse que as perguntas de Moro são “perguntas de um inquisidor, e não as perguntas de um juiz”.

Na audiência, em Curitiba, estavam presentes três advogados da defesa de Lula: Cristiano Zanin Martins, Juarez Cirino dos Santos e June Cirino dos Santos.

Também estavam presentes os advogados do ex-presidente da Construtora OAS, André Szesz e Flávia Penna Guedes Pereira; os advogados do presidente do Instituto Lula Paulo Okamotto, Anderson Bezerra Lopes e Vinicius Ferrari de Andrade; o advogado de Sylas Kok Ribeiro, representando Roberto Moreira Ferreira, ligado à OAS.

Em Salvador, participaram a advogada de Fábio Yonamine, ex-presidente da OAS Investimentos, Carolina Fonti e o advogado de Luiz Henrique de Castro Marques Filho, representando o réu Paulo Roberto Gordilho, arquiteto e ex-executivo da OAS.

Em meio à discussão, outras advogados questionaram as perguntas do juiz federal durante a oitiva de Gabrielli.

Veja o trecho completo do diálogo:
Defesa: Há um limite excelência.
Sérgio Moro: Eu estou fazendo as perguntas.
Defesa: Vossa excelência está insistindo.
Sérgio Moro: Eu estou fazendo as perguntas, doutor. Não estou induzindo a testemunha.
Defesa: É a quinta pergunta. Ele já respondeu.
Sérgio Moro: Eu ouvi pacientemente as perguntas da defesa e do Ministério Público, eu estou fazendo as minhas perguntas. Certo?
Defesa de Lula: Mas as suas perguntas são as perguntas de um inquisidor, e não as perguntas de um juiz.
Sérgio Moro: Doutor, respeite o Juízo.
Defesa: Vossa excelência respeite então a ordem processual.
Sérgio Moro: respeite o juízo.

O advogado Cristiano Zanin Martins disse que a defesa fez o seu papel alertando o juiz que ele não poderia insistir em uma pergunta já respondida, “como se buscasse um novo posicionamento”.

“Em todas as audiências o juiz fez perguntas às testemunhas e todas elas, sem exceção, buscavam favorecer a acusação, jamais a defesa”, diz a nota enviada pelo advogado.

Ainda de acordo com a nota, a defesa “arguiu a suspeição do juiz indicando dez fatos concretos que mostram que ele perdeu a imparcialidade para julgar o ex-presidente Lula, de modo que sua atuação se confunde com a dos acusadores”.

O juiz federal Sérgio Moro não vai se pronunciar.

O advogado Anderson Bezerra Lopes, que estava na audiência representando o presidente do Instituto Lula Paulo Okamotto, disse que a lei processual estabelece que o juiz deve questionar uma testemunha apenas para esclarecer algum ponto que não tenha ficado claro, depois das perguntas da acusação e da defesa. “O que se vê nas audiências é o juiz Sérgio Moro assumir claramente o papel da acusação, reiterando perguntas de cunho acusador e investigatório”, declarou o advogado por meio de nota.

Depoimento de Gabrielli

O ex-presidente da estatal também foi questionado sobre a construção da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, e respondeu que a obra foi realizada a partir de decisões técnicas e econômicas.

Gabrielli relatou que nunca teve conversas sobre recursos escusos com o Lula, que as conversas que teve com o ex-presidente foram “sempre no plano da importância da Petrobras para o Brasil”. Ainda conforme ele, esses diálogos eram, sempre, no sentido de “ter a melhor gestão possível para alcançar os objetivos definidos”.

O ex-presidente da estatal disse que nunca ouviu de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de abastecimento da Petrobras – já condenado na Lava Jato e o primeiro a fechar acordo de delação premiada no âmbito da operação – sobre nenhum tipo de anuência ou concordância de Lula com relação a desvio de valores. “Não demonstrava nenhum comportamento que ele veio a confessar. Era uma pessoa pacata, cumpridora de seus deveres e não demonstrava nenhum comportamento ilícito, como veio a confessar”, disse Gabrielli sobre o delator.

Sobre Nestor Cerveró, Gabrielli disse praticamente o mesmo: que ele cumpriu as estratégias de expandir as atividades para o exterior, que não demonstrava nenhum comportamento anormal como veio a confessar depois. “Acho que ele dificilmente teria acesso ao Lula. Nunca mencionou nenhum contato com Lula”, disse o ex-presidente da Petrobras.

Sobre Pedro Barusco, ex-gerente da estatal também condenado no âmbito da Lava Jato, as palavras foram as mesmas.

Em relação aos contratos da Petrobras e a OAS, Gabrielli disse que nunca foi discutido elevação de custos por causa de corrupção, para pagamentos inadequados, ilícitos. Segundo ele, a discussão “era voltada para tentar minimizar os impactos de um mercado de fornecedores aquecidos, com maior poder de barganha para os fornecedores, em comparação aos compradores”.

Sobre valores provenientes de contratos usados para a compra do tríplex supostamente para Lula, o ex-presidente da Petrobras afirmou que não tem nenhum conhecimento sobre o assunto.

Questionado pelo Ministério Público Federal (MPF), Gabrielli disse que há influência política na escolha de diretores desde 1953, ou seja, desde a fundação da empresa. Questionado também se fazia parte de algum partido, o ex-presidente da Petrobras disse que sim e que, inclusive, é “membro fundador do Partido dos Trabalhadores, desde 1981 e 1982”. Ele também afirmou que foi indicado para a direção financeira (antes da presidência) e para a presidência por Lula. Por fim, reforçou que nenhum dos órgãos de fiscalização identificou problemas revelados pela Lava Jato.

Jaques Wagner

O ex-ministro de relações institucionais do Governo Lula, Jaques Wagner (PT), também foi ouvido como testemunha de defesa do ex-presidente na manhã desta segunda, no mesmo processo. Durante o depoimento, Wagner detalhou sua atuação como ministro e afirmou desconhecer uso de dinheiro de origem espúria para manutenção da base parlamentar.

O ex-ministro também falou por videoconferência de Salvador. Wagner disse que era procurado por parlamentares – senadores e deputados federais – governadores e prefeitos que apresentavam demandas de suas bases eleitorais. Informou que o alinhamento com o governo é normal, pois facilita o atendimento de pedidos. “Ida e vinda de parlamentares [para a base aliada do partido que está no poder] é absolutamente natural”, declarou.

Questionado pelo MPF sobre sua relação com o ex-presidente Lula, Wagner relatou que estabelecia seu espaço e tinha autonomia para sua atuação. O ex-ministro disse que Lula participava de reuniões com a base aliada sempre que assuntos relevantes estavam em discussão.

Wagner afirmou ter feito parte do Conselho Administrativo da Petrobras, entre 2003 e 2006, mas disse que nunca participou diretamente da indicação de cargos na estatal.

Outras testemunhas

Na mesma audiência, foram ouvidas duas testemunhas de defesa do ex-presidente da OAS Investimentos Fabio Yonamine, réu nesta ação penal por lavagem de dinheiro. A audiência também foi realizada por videoconferência de Salvador.

O primeiro a ser ouvido foi o administrador de empresas Daniel Cardoso Gonzalez. Ao ser questionado pela defesa de Fabio Yonamine se ouviu que um tríplex e a reforma dele seriam destinados ao Lula, como troca de favores, Gonzalez disse que não. “Nunca presenciei nada do tipo”, afirmou a testemunha, que trabalhou na OAS Empreendimentos. A empresa tinha estruturas administrativa e financeira apartadas da empreiteira OAS, conforme explicou.

A testemunha também disse que a entrega do imóvel foi feita depois da saída dele da empresa. Ele trabalhou cinco anos da OAS Empreendimentos, de 2007 a 2012, atuando na área financeira, de acordo com o que relatou durante a audiência.

A outra testemunha de defesa de Yonamine foi o advogado Adriano Cláudio Pires Ribeiro, que trabalhou na área jurídica da OAS Empreendimentos de março de 2007 até dezembro de 2013.

Adriano Cláudio Pires Ribeiro também negou saber que um tríplex do Edifício Solaris seria entregue a Lula por troca de favores ou vantagens indevidas obtidas pela OAS.  Sobre a reforma do tríplex, ele disse ter tido conhecimento somente por meio da imprensa, depois de já ter saído da empresa.

Ribeiro também explicou a Moro que, quando o proprietário de cotas da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) optava por aderir ao acordo para que a OAS assumisse a obra de determinado empreendimento, um contrato de compromisso de compra e venda era assinado. De acordo com a testemunha, o documento padrão constava o valor e a unidade destinada ao comprador.

Depoimentos da tarde

Nesta tarde, uma audiência ocorreu por videoconferência com Barueri (SP). A engenheira civil Aline Mascarenhas de Sousa foi ouvida como testemunha de defesa do arquiteto e ex-executivo da OAS Paulo Gordilho, que responde neste processo por lavagem de dinheiro.
Aline Mascarenhas de Sousa relatou que trabalhou na OAS Empreendimentos de julho de 2009 a junho de 2015, nos setores de controle de obras e de orçamentos.Ela disse não ter trabalhado com orçamentos relacionados ao Condomínio Solaris. “Eu primeiramente trabalhava na parte de controle de obras, então quando eu fui para o setor de orçamentos, esse orçamento já existia”, afirmou ao MPF.

O coordenador de planejamento da OAS Empreendimentos Genésio da Silva Paraíso foi ouvido como testemunha de defesa de Roberto Ferreira, ex-diretor da empresa acusado pelo crime de lavagem de dinheiro na ação. A testemunha relatou que foi responsável pela elaboração do contrato e acompanhamento das reformas de um apartamento no Edifício Solaris para tornar o imóvel mais atrativo para um potencial comprador que, segundo ele, seria o ex-presidente Lula.

Genésio relatou que em relação ao apartamento do Solaris, recebia ordens de seu superior imediato, que era o gerente Igor Pontes, e que nunca recebeu nenhum tipo de orientação direta ou indiretamente de Lula e da mulher dele, Marisa Letícia.

Texto publicado originalmente no G1.

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