As declarações do deputado estadual Arthur do Val (Podemos-SP), ligado ao MBL e também conhecido por Mamãe Falei, são misóginas, sexistas e absurdas. Ao falar em áudios sobre as mulheres ucranianas, do Val tem mais do que um simples momento de “exaltação…”, como ele mesmo contou em entrevista no último sábado dia 5.
A relação principal está com os sentidos. Gisálio Cerqueira filho e Gizlene Neder há tempos trabalham a liga dos sentimentos com a política e a história.
Não é à toa a conexão do deputado federal Kim Kataguiri (Podemos-SP), também do MBL, que defendeu em entrevista a “legalização” de um partido nazista no Brasil. Depois se desculpou da mesma forma.
O que liga essas declarações ao evento já esquecido ao vídeo feito por torcedores brasileiros na Copa do Mundo de futebol da Rússia em 2018? Clique aqui e assista.
O deputado Mamãe Falei, que foi à Ucrânia fazer uma viagem supostamente humanitária, pousou, inclusive, diante de possíveis coquetéis molotov ao se deparar com mulheres refugiadas nas ruas e nas filas de imigração. Seus sentimentos não o levaram a sentir compaixão, mas desejo de dominação carnal, de conquistá-las, afirmando que após a guerra voltaria ao país para saciar seu desejo pelo fato de serem lindas e fáceis devido à pobreza em que se encontravam.
A questão central está na desumanização, não só das vítimas da guerra, mas no fato de o deputado Arthur e todos à sua volta — com a sua (des)cultura, suas ligações políticas, incluindo esta guerra entre Rússia e Ucrânia — esquecer a guerra civil que vivemos diariamente em nosso país.
Por exemplo, em 2021 mais de 41 mil brasileiros foram vítimas de mortes violentas, ou seja: 112 pessoas perderam a vida por dia de forma trágica. Até o décimo dia de conflito no Leste Europeu, 364 civis ucranianos foram mortos. Sim, são mortes que doem nas famílias, na sociedade e no mundo, mas no Brasil mata-se sempre. Uma verdadeira guerra civil que normalmente passa em branco na consciência da população.
Isso torna a guerra atual menos pior? Não. Justificável? Também não. Mas existe a nossa desumanização diante do que ocorre, nada justifica a terrível perda humana; desde as torres gêmeas em Nova York, as invasões no Iraque, Afeganistão e Síria. Menos ainda o que fizemos com o Paraguai, em Canudos, no interior da Bahia, ambos no fim do século XIX, por exemplo. A aniquilação humana é violenta e sempre utilizada para dominar um povo terrivelmente mais fraco.
O conflito entre Rússia e Ucrânia reacende uma guerra não mais fria, entre a extinta União Soviética e os Estados Unidos, pelo domínio da geopolítica global, mas também sobre como nos comportamos diante do humanismo enquanto nação.
Veja como é o olhar Ocidental, o olhar escravagista. Como pode ocorrer com pessoas bonitas, loiras, eurocentristas, essas declarações sexistas? As mulheres são objetos de desejo, e nisso recordamos da exploração das polacas na década de 1940 no Brasil. Mas esse mesmo sentimento se reveste da falta de sensatez, ou de ódio quando se trata dos negros, favelados e nordestinos que, na visão do sentimento, não têm o mesmo biotipo dos europeus. Um lombrosianismo que permanece no sentimento, no olhar do outro.
Não é sobre Putin e seu autoritarismo. Não é sobre Biden e sua fraqueza. É sobre nós e nosso humanismo, solidariedade e fraternidade seletivas. Somos um imenso Titanic naufragando no mar da pós-verdade e da hipocrisia.
Os sentimentos são a liga da ideologia. Esse foi o tema que trabalhei na minha tese de doutorado, Poder e Saber: campo jurídico e ideologia, em 2010. Gisálio sempre fala dos sentimentos e diz que são o fio condutor da ideologia.
A compaixão pelas vítimas da guerra da Ucrânia, assim como pelos jovens negros brasileiros, e a luta por um mundo em que a mulher seja respeitada e os direitos humanos sejam universais devem nos guiar na política, mas acima se tudo nos sentimentos de olhar e na extensão de dar as mãos ao outro.
Fernando Augusto Fernandes, advogado e cientista político
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