As notícias de que autoridades públicas estão investigando advogados já não causam mais espanto. Cada vez mais comum a realização de verdadeiras devassas nos locais de trabalho de advogados, inclusive em departamentos jurídicos de empresas de todos os portes.
O que não é noticiado, contudo, é a ilicitude por muitas vezes enrustida nas investigações. Aqui, buscar-se-á contribuir com profissionais da advocacia, especialmente atuantes em departamentos jurídicos empresariais, acerca das garantias que devem ser observadas quando da realização das medidas judiciais em locais reservados ao trabalho dos advogados.
É direito do advogado a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia, consoante disposição do artigo 7, II, da Lei 8.906/94. Isso busca atribuir ao endereço profissional do advogado um caráter inviolável, conferindo assim, à advocacia a devida essencialidade acerca da administração da justiça.
A proteção ao escritório de advocacia desponta como corolário do necessário resguardo ao sigilo das comunicações mantidas entre advogado e cliente, na forma do art. 7, II, da Lei 8.906/94.
Referidas garantias buscam satisfazer a necessidade do cliente, de ter alguém que, para ajudá-lo, tome posição e fique com ele se necessário no último degrau da escada, atuando com independência e liberdade. Se diferente fosse, se “tornaria inviável o próprio exercício da profissão e a garantia da ampla defesa ficaria reduzida a nada”.
Assim, é certo que as provas obtidas mediante a violação de tal sigilo não são admitidas no processo, haja vista a ilicitude decorrente da irregularidade em sua obtenção.
Por óbvio que a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil não é, e nunca será salvo conduto para o cometimento de delitos. O Advogado sob o qual recai indícios de cometimento de crimes deve ser investigado, processado e se considerado culpado que seja aplicada a devida sansão, nos termos a Lei vigente.
Ocorre que, embora legalmente protegido, tal direito do profissional da advocacia vem paulatinamente sendo mitigado no âmbito das investigações criminais.
Como exemplo de mitigação à garantia de inviolabilidade do domicílio profissional do advogado está a medida de busca e apreensão criminal.
Vale pontuar que a mesma temática aplicada aos escritórios de advocacia aplica-se aos departamentos jurídicos de empresas, posto que, na forma do já mencionado artigo 7°, II, da Lei 8.906/94, são os locais de trabalho dos Advogados lá atuantes, sendo invioláveis, de igual forma.
Outrossim, imprescindível trazer à baila, que reiteradamente são cumpridas ordens judiciais de busca e apreensão, bem como realizadas interceptações telefônicas em desfavor de advogados, sobre os quais não recai qualquer indício do cometimento de crimes.
Contudo, diante da “a pirotecnia das megaoperações policiais, com seus nomes marcantes (uma interessante estratégia do marketing policial)”, é utilizada a falácia de que em razão do enorme volume de arquivos e documentos constantes nos departamentos jurídicos, há a impossibilidade realizar a devida separação daquilo que possua relação com os fatos investigados, procedendo-se a retirada de tudo que lá conste.
Exemplo ilustrativo se vê na nota pública expedida pela OAB/SP acerca do cumprimento de um mandado de busca e apreensão da sede de uma construtora na cidade de São Paulo/SP. Na oportunidade, tendo em vista a alegada dificuldade dos agentes policiais em realizarem a triagem dos e-mails constantes dos computadores lotados no departamento jurídico “a integralidade foi extraída e lacrada para posterior deliberação do juiz” .
Dessa maneira, necessário a exigência pelo advogado de que o mandado de busca e apreensão a ser realizado em seu endereço profissional, somente pode seja realizada mediante decisão judicial motivada, específica e pormenorizada, de maneira a determinar os limites para a realização da medida de busca e apreensão, limitando-se a colher provas relacionadas exclusivamente ao aos fatos investigados, jamais ultrapassando tal limite.
Nesse sentido, importante mencionar a existência das Portarias n. 1287 e 1288, ambas de 30 de junho de 2005, editadas pelo então Ministério da Justiça, cujo objetivo seria a uniformização dos procedimentos adotados pela Polícia Federal para a realização de mandados de busca e apreensão em escritórios de advocacia.
Assim, a Portaria 1887/05 MJ indica procedimentos básicos a serem observados pelas equipes designadas para o cumprimento de medidas judiciais em endereços profissionais de advogados, destacando-se a necessidade de preservação da rotina de trabalho do local diligenciado, inclusive de seus meios eletrônicos e de informática, imprescindível para o regular exercício da advocacia.
Isto porque o local de trabalho do advogado contém informações relativas a seus clientes, relações resguardadas sob o sigilo, sendo, portanto, inadmissível a realização de devassa em seu endereço profissional. Nesse sentido, o próprio art. 7, § 6, in fine, da Lei 8.906/94, proíbe a utilização de materiais pertencentes a clientes do advogado alvo do mandado de busca e apreensão, bem como de demais objetivos relativos às funções do profissional e que contenham informações de seus clientes.
Em caráter complementar, a Portaria 1288/05 MJ prevê, entre outros procedimentos, que o requerimento para a realização de diligências em endereço profissional de advogado deve se pautar, sobretudo, em fundadas suspeitas de participação do profissional em atividade criminosa, não sendo a mera “prática de atos inerentes ao exercício regular da atividade profissional do advogado” suficiente para ensejar tal pedido à autoridade judicial.
Por fim, em observância às disposições contidas no já referido art. 7, do Estatuto da OAB, a Portaria 1288/05 MJ dispõe que documentos relativos a clientes e ao exercício profissional do advogado não serão objetos de apreensão no cumprimento de mandados de busca e apreensão realizado pela Polícia Federal, “salvo expressa disposição judicial em contrário”.
Nesse ponto, fundamentais são as considerações de Alberto Zacharias Toron e Alexandra Szafir acerca da determinação de medidas de busca e apreensão em local de trabalho do advogado ao esclarecerem que
aberto o precedente de que o advogado pode ser devassado, perde o cidadão a segurança de que o profissional incumbido de falar por ele nos tribunais consiga fazê-lo livremente. A garantia da inviolabilidade do escritório compromete o sigilo profissional e, mais que isso, a solidez e independência do próprio profissional que se vê a mercê de toda sorte de perseguições.
Ademais, em recente manifestação do Supremo Tribunal Federal nos autos da reclamação n. 36.542/PR, o Ministro Gilmar Mendes, ao analisar o teor das alegações de violação às prerrogativas profissional de advogado, cujo endereço profissional foi alvo de mandado de busca e apreensão não pormenorizado, que resultou na apreensão de materiais relativos a clientes e a outros profissionais da advocacia, sem a necessária delimitação do instrumento concluiu que “além de não restarem devidamente demonstrados, de forma pormenorizada, os crimes cometidos pelo advogado no decreto autorizador da medida, este extrapola qualquer juízo de razoabilidade ao se estender a clientela” do advogado.
Evidencia-se o caráter inviolável, garantido por lei federal, dos locais em que os advogados desempenham suas atividades profissionais – seja em escritórios de advocacia ou em departamentos jurídicos –, tendo em vista que tal prerrogativa se faz necessária, a fim de conferir liberdade e independência na atuação de defesa de seus constituintes, garantindo-lhes segurança para exercício de seu mister.
Dessa forma, é imperioso que os advogados exijam o cumprimento de suas prerrogativas funcionais, evitando que tenham sua intimidade profissional violada pelo simples fato de serem advogados, impedindo, assim a manutenção de investigações que se mantém meramente para o fim de que os documentos de seus clientes, os quais detém em razão da relação de confiança estabelecia sejam de conhecimento da acusação.
Artigo publicado originalmente Canal Ciências Criminais.