A garantia de atendimento médico em meio à crise de saúde enfrentada atualmente é uma manifestação dos Direitos Humanos. Por isso o respeito aos médicos, enfermeiros e profissionais da saúde é essencial, mais ainda, aproximação destes aos pacientes deve ser a mais direta possível nas presentes condições.
O papel do profissional de saúde neste momento é tão fundamental que faz importante esclarecer que a criação de entraves ao acesso das pessoas ao seu atendimento médico é crime em algumas situações. É o caso de exigência de cheque-caução, nota promissória ou qualquer outra garantia como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, ou de se impor obrigação de preenchimento prévio de formulários administrativos como condição para o atendimento emergencial. Ambas as situações representam hipóteses de práticas que dificultam a aproximação do médico ao paciente necessitado.
O delito disposto no art. 135-A do Código Penal – condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial – foi inserido na legislação em 2012, incluindo o comentado tipo penal no capítulo referente a condutas contra periclitação da vida e da saúde.
O crime pode ser cometido por quaisquer funcionários do estabelecimento médico, chamando especial atenção àqueles que não são médicos, mas possuem funções administrativas, tendo como objetivo principal da regra penal a proteção da vida e da saúde humana, que devem se sobrepor a interesse de ordem material ou patrimonial.
Ressalta-se que o agente criminoso deve agir com dolo de condicionar o atendimento médico emergencial a imposições descritas no tipo penal, e que essa imposição corresponda a verdadeira exigência. Isto é, não é qualquer requerimento administrativo prévio ao atendimento que servirá a caracterizar o delito, porém a descrição do crime é clara ao expor que em situações emergenciais exigir garantias de adimplemento de obrigação ou pagamento de quantia determinada, ou exigir preenchimento de formulários administrativos para recolhimento de dados pessoais antes do atendimento necessário, configura o crime.
Assim, presentes duas situações: exigência e emergência, o atendimento médico hospitalar deve ser oferecido sem obstáculos (além dos necessários à proteção de contágio aos profissionais de saúde). Portanto, haverá crime no caso de funcionário de unidade médica exigir obrigações prévias como condição para o atendimento médico hospital, tendo consciência do estado emergencial que represente possibilidade de risco de morte ou lesão grave do paciente
A situação atual resultante do surto de Coronavírus é alarmante, as ruas vazias e hospitais cheios são evidências do estado de calamidade. Neste cenário, o aumento de atendimento médico e hospitalar deve ser conduzido em conformidade com a legislação, priorizando o atendimento emergencial.
Importa, portanto, a cautela de conhecer o crime e evitar a imposição de exigências, a fim de que seja fornecido o atendimento possível dentro das condições do estabelecimento àquele paciente cujo estado é emergencial.
Certo, ainda, que não há nenhum impedimento penal para que se exijam garantias, seja firmado um contrato de cobrança futura, ou preenchimento de formulários, após prestado o atendimento emergencial.
Evitar a conduta criminosa que dificulta o atendimento médico é especialmente relevante àqueles profissionais de saúde nas linhas de frente do combate à atual pandemia, que enfrentam com coragem a situação. Estes profissionais estão arriscando suas vidas para fornecer o devido atendimento médico, de modo que impor entraves administrativos ou financeiros que distanciem um paciente em condição emergencial do médico é prática com efetiva dignidade penal para constar entre os crimes contra a periclitação da vida e da saúde.
Alertamos, ainda, que no caso do paciente falecer ou tiver lesão corporal grave, após negativa de atendimento médico hospitalar emergencial, em razão da não concordância com as exigências impostas, a pena destinada ao agente criminoso, que é de até três meses a um ano de prisão, pode ser aumentada em até dois anos prisão, no caso de lesão grave, e até três anos de prisão, no caso de morte, além de multa.
Artigo publicado no Canal Ciências Criminais.
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