Homicídio terrorista: assassinato por ódio de um integrante do PT

Por Fernando Augusto Fernandes, advogado criminalista e pesquisador

Texto publicado em 11 de julho de 2022 no Conjur, https://www.conjur.com.br/2022-jul-11/fernando-fernandes-assassinato-odio-petista

O assassinato do guarda civil Marcelo Arruda foi um homicídio de ódio constatado pelas imagens dos vídeos. Ocorrido na noite de sábado (9/7), em Foz de Iguaçu (PR), o ato não se contém nas normas do homicídio comum. É um crime de ódio e um ato terrorista contra a democracia e precisa de especial atenção do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Precisamos de novas medidas para conter a violência política extremista.

Além do homicídio (artigo 121 CP), cuja pena vai de 6 a 20 anos, e dos agravantes sobre motivação fútil (§ 2º, inciso II) que aumenta a pena para 12 a 30 anos, a questão extrapola para um ato terrorista. O problema é que a motivação ainda não está prevista na lei nacional.

A sociedade se empenhou para a majoração de pena em crimes de violências domésticas e contra a mulher (Lei 13.104/15), contra o menor ou pessoas com deficiência mental, por familiares próximos, como tios, companheiros, tutores e outros (lei 13344/22), mas estamos diante de um motor diverso.

Chegamos ao crime de ódio! Mas sem que a legislação acompanhe. A Lei nº 10.741/03 trouxe o crime de ódio acrescendo na injúria a “utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”.

A Lei Antiterrorismo (Lei nº 13260/16) definiu terrorismo dessa maneira: “consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública” e entre eles (§ 1º São atos de terrorismo:) “V – atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa” com prisão de 12 a 30 anos.

A Lei nº 14197/21 trouxe o “artigo 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais” com penas de 4 a 8 anos, além da pena correspondente à violência”.

A referida norma também tipificou a Violência Política, no artigo 359-P, definindo-a em “restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” com penas de 3 a 6 anos, e multa, além da pena correspondente à violência empregada.

Todas as referidas leis esqueceram de incluir como motivação o ódio político, além dos elementos de raça, de cor, de etnia e religião, proteger além da mulher e do idoso.

O homicídio do guarda municipal Marcelo, que também era tesoureiro do PT, além do motivo fútil foi movido pela intolerância política! Essa precisa ser inscrita como um dos elementos majorantes e como bem jurídico protegido pela legislação penal a título de agravante, crime político, e contra a democracia.

A liberdade de expressão e opinião são bens jurídicos protegidos pela Carta Magna. Fazem parte da dignidade da pessoa humana (artigo 1, inc. III, CF). O artigo 3, inc. IV, garante que devemos “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade”, mas também contra “quaisquer outras formas de discriminação”.

O inciso VIII do artigo 5 da CF garante que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa”, mas também de “convicção filosófica ou política”. Percebe-se nesse último ponto a necessidade de tutela da lei.

A sequência do artigo 5º demostra a importância da tutela da liberdade política ao definir (inciso XLII) “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; (inciso XLIII ) que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”, mas também (inciso XLIV) determina que constitui “crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.

É atentado contra o Estado democrático praticar homicídio por ódio político? A eliminação por ódio político se inclui na definição do artigo 3, da Constituição, no trecho em que aponta “quaisquer outras formas de discriminação”?

Está aqui um dos elementos da decisão do STF, no HC 154.248, quando o Plenário do Supremo decidiu, por oito votos a um, pela equiparação da injúria racial (artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal) ao crime de racismo (previsto pela Lei 7.716/1989). O STF foi além da tutela da lei e equiparou a injúria racial ao racismo como outra forma de discriminação. Outro precedente desta estirpe é a decisão do Supremo Tribunal Federal que equiparou a homofobia e transfobia a crime de racismo (ADO 26 e MI 4.733). Em que pese a ofensa ao princípio da reserva legal (5º, inciso II, XXXIX, CF), a decisão aponta a necessidade de ação do Congresso e se este permanecer inerte a Corte Constitucional acabará ampliando o rol de direitos a partir da fundamentação da eficácia plena das normas constitucionais.

A competência para o crime político é atraída pela Justiça Federal (artigo 109, IV, CF). A emenda n. 45 de 2004 trouxe ao artigo 109 o inciso V para a possibilidade “dos crimes contra os direitos humanos serem julgados pela Justiça Federal mediante proposta do Procurador Geral ao Superior Tribunal de Justiça, mediante incidente de deslocamento”.

Destaca-se que o crime cometido por Adelio Silva em setembro de 2018, quando esfaqueou o então candidato Jair Bolsonaro foi denunciado pelo Ministério Público Federal com base na antiga Lei nº 7.170/83 (dos crimes contra a segurança nacional) por motivo de “terrorismo, por inconformismo político”.

A revogação da Lei de Segurança Nacional foi aprovada pelo Congresso, na edição da Lei Estado Democrático de Direito. Isso depois de questionamentos no STF, mas a edição da nova norma deixou de fora o crime cometido por motivos políticos. Não é possível pensar somente nos crimes cometidos diretamente pelos agentes do Estado, mas compreender os ataques à democracia nos crimes cometidos por particulares contra a liberdade política e de expressão. E investigar o induzimento por agentes do Estado no cometimento desses crimes.

Os crimes contra os direitos humanos estão sujeitos à jurisdição dos Tribunais Penais Internacionais, na forma do Estatuto de Roma (de 1998), que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI). Este  prevê que é crime ataques “a população civil, a partir do cometimento das seguintes condutas: homicídio; extermínio; escravidão; deportação ou transferência forçada; prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; tortura; agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero; desaparecimento forçado de pessoas; apartheid; ou outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental”.

O ato de homicídio cometido contra Marcelo Aloizio de Arruda em sua festa de aniversário além de homicídio qualificado, com pena de 12 a 30 anos, abre um alerta da necessidade de aperfeiçoamento das leis, e de investigações no incentivo permanente de ataques a atos políticos que podem configurar crimes contra a humanidade

O crime originalmente cometido diretamente pelo Estado está tomando novas formas de induzimento por milicianos suportados, admitidos ou incentivados pelo Estado. Estes recebem suporte até mesmo com distribuição de cargos e pelo desenfreado armamento de população civil, pelo afrouxamento de controle de armas e promoção de compras bélicas sob o falso discurso de garantir a liberdade. Na verdade, trata-se da montagem de aparatos de guerra civil e, portanto, atos antidemocráticos.

O Supremo Tribunal tem estado atento aos ataques através de notícias falsas, cassando e condenando deputados. Mas esses atos de ataque a democracia vão além.

Estamos diante de atos terroristas de Estado executados por indivíduos por induzimento semelhante ao tipificado no crime de indução ao suicídio (artigo 122 do CP). Há notícia até de ataques por drones com fezes em comícios, e manchetes de que juízes foram atingidos por bombas contendo fezes.

Assim é preciso rigor no alerta a defesa da democracia. Em boa hora o Instituto dos Advogados do Brasil presidido por Sydney Sanches criou a “Comissão de Defesa da Democracia, das Eleições e da Liberdade de Imprensa” e nomeou o deputado constituinte Bernardo Cabral na sua presidência. Um ato simbólico de respeito e resistência pela Constituição. O IAB foi presidido durante o golpe de 1964 pelo advogado católico, conservador e de direita Sobral Pinto, que fez de sua voz uma resistência contra o abuso de autoridade, contra a tortura e contra os desmandos.

É necessário incluir entre os crimes contra a ordem democrática os homicídios e lesões corporais praticadas movidos pelo ódio político, assim como a previsão de injúrias motivados pela intolerância. O reconhecimento da tutela da liberdade de pensamento e de posição política pela lei tornará de competência da Justiça Federal a apreciação de tais crimes antidemocráticos.

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