Por César Caputo Guimarães
Direitos fundamentais da democracia
Vem à baila discussão acerca da necessidade, legalidade e extensão da imunidade parlamentar.
Tal debate ressurgiu mais fortemente após duas decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) nas últimas semanas, envolvendo os senadores Delcídio do Amaral e Ronaldo Caiado.
O primeiro porque teve sua prisão decretada pelo STF sob a acusação de obstruir as investigação da Operação Lava Jato, bem como auxiliar no planejamento de eventual fuga do investigado Nestor Cerveró.
O STF considerou preenchidos os requisitos para determinar a prisão preventiva de Delcídio, afastando assim a imunidade parlamentar formal, processual ou relativa.
Já em relação ao segundo, Caiado, o STF rejeitou duas queixas-crime contra ele apresentadas por Lula. Caiado chamou o ex-presidente de “bandido frouxo” na internet.
Na mesma época, o historiador Marco Antonio Villa teve processo com desfecho diferente, após também ser processado por Lula, por não possuir imunidade.
O instituto da imunidade parlamentar tem seus primeiros registros em Roma e na Grécia Antiga, protegendo magistrados e defensores que atuavam na atividade junto ao Senado e ao tribunal.
Para se evitar prisões abusivas oriundas do rei, a Declaração de Direitos inglesa de 1689 consagrou o “freedom of speech”, blindando dessa forma a atividade parlamentar. A Revolução Francesa consolidou a liberdade de expressão que está insculpida na maioria das Constituições atuais.
Nas Constituições brasileiras encontra-se grafia deste dispositivo desde 1824, e, nas outras Cartas, sucessivas alterações, até que, na Constituição de 1988, repousou no artigo 53.
O cerne envolvendo a imunidade é a extensão, o quanto e o que se está efetivamente a proteger, ou se ela somente é uma proteção aos corruptos e criminosos que se socorrem do poder que confere o mandato eletivo. Acredito nas instituições, pois existem mais pessoas sérias, e os corruptos são em menor número.
Os esforços promovidos pelos pensadores, juristas, pessoas públicas –que lutaram para garantir os dispositivos constitucionais que possuem o condão de inibir abusos, evitar a opressão e a imposição– não podem ser deixados de lado.
As imunidades parlamentares, as prerrogativas dos advogados, as garantias e inviolabilidades dos membros do Ministério Público, os princípios dos juízes de direito são na verdade direitos do cidadão. Direitos e instrumentos que servem tão somente para que o Estado democrático de Direito efetivamente mantenha seu pleno funcionamento.
Os inquéritos que tramitaram no STF foram improcedentes pois entendeu-se que o senador Caiado estava protegido pela imunidade parlamentar, sendo inviolável por “quaisquer de suas opiniões, palavras ou votos”.
A essência do voto destaca que as expressões contidas na manifestação do senador Caiado guardavam relação efetiva com a atividade política do parlamentar, mesmo sendo proferidas fora do Congresso Nacional, ainda que ausentes os padrões mínimos de civilidade e educação que se exigem de um senador da República.
Em tempos estranhos como o que vivemos, onde o combate à corrupção atropela todas as garantias constitucionais individuais e coletivas, onde existem iniciativas a restringir o habeas corpus e a retirar a defesa prévia no processo por improbidade, o reconhecimento de que ainda existe algum movimento para combatê-los é bem-vindo.
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo.