Estabilidade e respeito às instituições
Gangorra judicial e decreto de Bolsonaro não servem à democracia
Fernando Augusto Fernandes
Advogado criminalista e pesquisador, foi o responsável pela descoberta dos áudios secretos do STM (Supremo Tribunal Militar) que revelam torturas durante a ditadura militar entre 1975 a 1985
Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo, em 27 de abril de 2022, acesse aqui.
O Brasil está em meio a uma constante crise política e institucional. Esta última se agravou com o decreto de indulto, editado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para salvar o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). Esse fato se junta às reações do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, e do presidente do STM (Supremo Tribunal Militar), Luis Carlos Gomes Mattos, ambos generais, diante das revelações de áudios secretos comprovando tortura durante a ditadura militar.
Para balançar de vez o nosso Estado democrático, o também general Paulo Sergio Nogueira Oliveira atacou, por meio de nota oficial do Exército, a palestra do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, que afirmou que as Forças Armadas estavam orientadas a atacar o processo eleitoral.
É preciso entender como chegamos a essas distorções para compreender para qual caminho devemos seguir. Acima de tudo porque temos o dever de manter a democracia no Brasil.
O deputado foi condenado porque fez um vídeo xingando o ministro do STF Alexandre de Moraes de moleque, mau-caráter e marginal, entre outras grosserias e ameaças. Evidente que não é o que ninguém que preza o Congresso, a democracia e a convivência social espera de um congressista.
A forma chula e ordinária com que se manifestou não traz nenhuma crítica, mas uma verdadeira afronta à estabilidade das instituições. A imunidade parlamentar prevista no art. 53 da Constituição diz que os deputados são “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Isso torna o deputado ou um senador imune a qualquer tipo de manifestação?
Como chegamos a isso? O Supremo realizou pernicioso papel de acreditar em uma missão que não é dada à magistratura: a de ser o elemento purificador da política. Com isso, deu força a uma parte do Judiciário e do Ministério Público, com a qual foi possível articular a Lava Jato.
Um dos afrontes foi a prisão do senador Delcídio de Amaral (PT-MS) porque fez bravatas ao afirmar que teria falado com ministros para preservar Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, na Lava Jato. Na mesma toada, o Senado, por 59 votos a 13 e uma abstenção, aprovou a prisão. Nessas ocasiões, o Poder Legislativo deveria ter derrubado as prisões e realizado as medidas internas até chegar à cassação. Mas esse recuo tornou o Supremo um superpoder nacional.
As ações abusivas transformam decisões judiciais em finais de campeonato. O maior exemplo é o caso Lula. Quem não gosta de Lula torceu por sua prisão. E o ex-juiz Sergio Moro acreditava que, suprindo esses desejos, se tornaria ministro, primeiramente de Estado e, na sequência, do STF (e, quem sabe, presidente). Pouco importava o direito. E a Suprema Corte realizou mudanças constantes de sua jurisprudência, revogando a presunção de inocência, cabendo prisão em segunda instância, negando o habeas corpus de Lula para depois da eleição voltar à posição anterior. Idas e vindas que não servem à estabilidade do direito.
A gangorra judicial não serve à democracia, assim como o decreto de Bolsonaro não serve à estabilidade democrática. Seu objetivo foi afrontar o Supremo, apoiar os atos de ataque e desqualificação. A ascensão e manutenção do bolsonarismo catapultou ao poder a linha integralista que cria instabilidade e mesmo mortes na pandemia de Covid-19, com toda a campanha contra as vacinas.
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