Advogados criticam condução coercitiva de Jorge Picciani, presidente da Alerj

condução coercitiva do presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Jorge Picciani (PMDB), determinada pelo Superior Tribunal de Justiça e cumprida pela Polícia Federal nesta quarta-feira (29/3), foi considerada ilegal e abusiva por advogados.

Código de Processo Penal estabelece que quem for intimado a depor ou comparecer ao juízo e se negar a fazê-lo poder ser conduzido coercitivamente. Mas de acordo com o constitucionalista e cientista político Marcus Vinicius Macedo Pessanha, sócio do escritório Nelson Wilians e Advogados Associados, a medida só vale para ações penais, não para inquéritos.

“O artigo 260 do CPP é claro no sentido de que a condução coercitiva somente deveria ter aplicabilidade no caso de descumprimento de anterior intimação, e no âmbito de um processo judicial. Todavia, suspeitos têm sido conduzidos coercitivamente ainda durante a fase de investigação, e sem que qualquer notificação ou intimação anterior tenha sido expedida, em uma interpretação eminentemente ampliativa”, critica o advogado.

Ele lembra que a condução coercitiva já foi aplicada mais de 200 vezes somente na operação “lava jato” — a mais polêmica delas envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “A medida viola uma série de dispositivos e princípios constitucionais, tais como a presunção de inocência, o direito ao silêncio, o direito a não produzir prova contra si mesmo, o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e o sistema acusatório, todos essenciais a tutela das liberdades individuais em qualquer Estado Democrático de Direito que se preze.”

Pessanha diz que “a condução coercitiva de suspeitos em verdadeiros espetáculos públicos tem se convertido em pré-julgamentos popularescos que produzem danos irreparáveis a pessoas que ainda não tiveram a oportunidade de exercer seu direito de defesa em um processo regularmente formado. Esta espetacularização contínua, repetida e exagerada, termina por exercer um papel antidemocrático na sociedade, pois banaliza os abusos cometidos contra cidadãos que ainda não são sequer réus”.

Para ele, “a violação de direitos e garantias fundamentais, desta maneira, assume um viés perigoso de diversão pública e irresponsável que pode degenerar no enfraquecimento das instituições públicas e políticas”.

Na visão de Fernando Fernandes, sócio do escritório Fernando Fernandes Advogados, o Ministério Público Federal está defendendo poderes ilegais do estado policial, com conduções coercitivas ilícitas.

“Enquanto o desenvolvimento da humanidade se deu com o reconhecimento dos limites dos poderes do Estado frente às garantias do cidadão, defrontamo-nos, no Brasil, com juízes e promotores que podem tudo. Sustentam-se em mitos como ‘liberdade de decidir’ e ‘poder geral de cautela’, que nada mais são do que argumentos para o desrespeito à lei processual e à Constituição”, critica.

Já o criminalista e constitucionalista Adib Abdouni aponta que o fato de o cidadão ser alvo de investigação da Polícia Federal não autoriza o emprego açodado da condução coercitiva, “sem que haja, antes disso, a postura renitente do investigado em não atender às intimações para o interrogatório — a revelar seu desinteresse injustificado de colaborar com a investigação”. Ele destaca, ainda, que o artigo 260 do CPP só chancela essa medida “de forma excepcional, sob pena do ato ganhar nítidos contornos de intimidação e arbitrariedade, o que é vedado pelo ordenamento jurídico”.

O advogado Luiz Fernando de Camargo Prudente do Amaral, professor da Faculdade de Direito do IDP São Paulo, lamentou que os cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro sejam suspeitos de se envolver em irregularidades com os cofres públicos.

“Tribunais e conselhos de contas são órgãos que auxiliam o Poder Legislativo na tarefa de fiscalizar as atividades do Poder Executivo e a gestão das contas públicas. A operação que implicou a prisão de cinco dos sete membros do Tribunal de Contas do Rio traz enorme preocupação. O envolvimento desses agentes públicos revela a fragilidade do controle administrativo em relação a contratos e à execução do orçamento. O péssimo exemplo do TCE-RJ pode existir em outros estados da federação. Felizmente, as investigações têm revelado essa relação promíscua que precisa ser apresentada à sociedade e devidamente punida pelo Poder Judiciário. Ofende diretamente o Estado Democrático de Direito a participação de órgãos de fiscalização e controle em esquemas de corrupção.”

Polêmica da condução
O Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou em fevereiro a proposição de ação de descumprimento de preceito fundamental para que o Supremo Tribunal Federal ofereça interpretação conforme a Constituição à situação.

De acordo com a entidade, do modo como é feita hoje em dia, a condução coercitiva impede que o depoente tenha acesso a seu advogado. Além disso, a OAB avalia que esse artifício só poderia ser utilizado quando o processo estivesse estabelecido, e não quando ainda é apenas inquérito policial.

Depois da condução de Lula, o PT ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal solicitando que a condução coercitiva para interrogatório, prevista no artigo 260 do CPP, seja declarada inconstitucional. O PT pede liminar para suspender a eficácia do dispositivo legal. A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi distribuída ao ministro Gilmar Mendes.

Segundo o partido, todos os cidadãos têm a obrigação legal de colaborar com a Justiça durante uma investigação penal. Caso mintam, omitam ou se calem, serão processados e punidos por falso testemunho. Contudo, essa regra não se aplicaria à pessoa que, indagada sobre qualquer questão, perceba que sua resposta o levará à autoincriminação.

Em parecer nessa ação, a Procuradoria-Geral da República afirmou que a condução coercitiva para interrogatórios, desde que justificada, assegura efetividade da persecução penal e confere eficácia a outras medidas acautelatórias do processo penal, sem interferir de forma irrazoável na liberdade do conduzido.

Em 2011, a 1ª Turma do STF entendeu ser válida a condução coercitiva durante o inquérito (HC 107.644). No julgamento, os ministros decidiram que a medida é legal, desde que resguarde as garantias legais e constitucionais dos conduzidos.

Suspeita de desvios
O TCE-RJ e a Alerj são alvo de investigação da Polícia Federal, que apura um esquema de pagamentos de propina com valores de contratos com órgãos públicos.

Foram emitidos mandados de prisão temporária contra cinco dos sete conselheiros do TCE-RJ: Aloysio Neves (presidente), Domingos Brazão (vice), José Gomes Graciosa, Marco Antônio Alencar e José Maurício Nolasco. O presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB), foi alvo de condução coercitiva.

As investigações da PF indicam que agentes públicos teriam recebido valores indevidos para viabilizar a utilização do fundo especial do TCE-RJ para pagamentos, junto ao Executivo, de contratos do ramo alimentício atrasados. Esses agentes receberiam uma porcentagem desse valor por contrato faturado.

Texto publicado originalmente no Consultor Jurídico.

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