Advogado não pode ser forçado a desistir de HC de ex-cliente que fez delação

Reportagem publicada no Consultor Jurídico.

Advogado não pode ser forçado a desistir de Habeas Corpus a pedido de cliente que firmou acordo de colaboração premiada. Com esse entendimento, o ministro Sebastião Reis, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu nesta terça-feira (17/3) liminar para que a prisão preventiva de Daniel Gomes da Silva siga as regras do semiaberto, já que este foi o regime estabelecido para cumprimento de sua pena em condenação em outro caso.

Silva foi defendido pelo criminalista Fernando Augusto Fernandes, do Fernando Fernandes Advogados, em dois casos — um de corrupção ativa, no qual foi absolvido, e um de peculato, no qual foi condenado a cumprir pena inicialmente no regime semiaberto.

No fim de 2018, Daniel Silva foi preso preventivamente sob a acusação de participar de um esquema que desviou R$ 15 milhões de recursos públicos na área da saúde. Ele foi denunciado pelos crimes de organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro.

Posteriormente, Silva comunicou Fernando Fernandes de que queria firmar acordo de colaboração premiada. O criminalista informou-lhe que era contra o acordo e disse que não prosseguiria em sua defesa. O acusado, então, mudou de advogado.

Contudo, Fernandes já havia impetrado Habeas Corpus em favor de Silva no Superior Tribunal de Justiça. Há pouco, o criminalista foi intimado pelo ministro Sebastião Reis, relator do caso, para fazer sustentação oral na sessão de julgamento do HC, marcada para 17 de março. Em petição, Fernando Fernandes informou que o antigo cliente havia pedido que ele desistisse do HC e de uma apelação.

Contudo, Fernandes afirmou que se negou a fazê-lo por entender que essa exigência, comum em acordos de delação premiada, era inconstitucional. Para demonstrar sua posição, anexou dois artigos sobre o assunto publicados na ConJur — um deles em conjunto com o ex-presidente do Conselho Federal da OAB José Roberto Batochio.

“O ser humano não pode ser obrigado a abrir mão de direitos irrenunciáveis com o aval do judiciário. Portanto, não caberia ao Impetrante desistir do presente Habeas Corpus, em especial, por exigência de agentes do Estado. De igual forma, nesse momento, está impedido de sustentar oralmente”, disse o advogado na petição.

Em decisão monocrática, Sebastião Reis apontou que não recebeu nenhum pedido de desistência do HC. Então, destacou, é caso de julgá-lo. Como a sentença condenatória de Silva por peculato estabeleceu que o regime inicial é o semiaberto, o ministro concedeu liminar para que a prisão preventiva dele siga as regras daquele modo de cumprimento da pena.

Exigência inconstitucional
Fernando Fernandes disse à ConJur que não desistiu do Habeas Corpus por entender que essa exigência viola a Constituição Federal.

“Tendo em vista a inconstitucionalidade da exigência em acordo de delação da desistência de HC e do acesso ao Judiciário, eu estava impedido de desistir”, afirma.

Batochio, coautor de artigo sobre o assunto, elogiou a decisão: “A coação ilegal trazida à ciência do Estado-juiz se torna indisponível em face do seu compromisso com a ordem constitucional e seu quadro axiológico. Nem o coagido dispõe, com exclusividade, do seu direito de liberdade, que, de resto, é titularizado, também e mediatamente, pela coletividade. Lembre Shakespeare: a ninguém é permitido ser tão vil, que deseje ser cativo, escravo”.

Clique aqui para ler a decisão
HC 492.672

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